Olímpio Antônio de Sousa (1896-1960)



Era 26 de julho de 1896, em Caiçarinha, comunidade rural do município de Jaicós (PI), área atualmente pertencente à São Julião (PI), quando nasceu o quarto filho de Antônio João de Souza Brito e Joana Maria de Jesus. Era um domingo, dia de Santa Ana e São Joaquim, mas o casal resolveu batizar a criança, de olhos claros quase verdes, com o nome Olímpio Antônio de Souza. 

Olímpio chegou ao mundo em um momento conturbado da história brasileira. A república tentava se firmar como novo regime baseado na repressão de revoltas e movimentos monárquicos, como a Guerra de Canudos (07 de novembro de 1896 - 05 de outubro de 1897), que eclodiu no Sertão baiano nos meses seguintes ao nascimento de Olímpio ao custa de milhares de vidas. 

O conflito entre as forças Federais, do Presidente Prudente de Moraes, e os sertanejos pobres, liderados por Antônio Vicente Mendes Maciel (Nova Vila de Campo Maior, 13 de março de 1830 — Canudos, 22 de setembro de 1897), mais conhecido como “Antônio Conselheiro”, foi ricamente registrado pelo jornalista Euclides da Cunha em sua obra “Os Sertões”. 

"Recolhidas as armas e munições de guerra, os jagunços reuniram os cadáveres que jaziam esparsos em vários pontos. Decapitaram-nos. Queimaram os corpos. Alinharam depois, nas duas bordas da estrada, as cabeças, regularmente espaçadas, fronteando-se, faces volvidas para o caminho. Por cima, nos arbustos marginais mais altos, dependuraram os restos de fardas, calças e dólmãs multicores, selins, cinturões, quepes de listras rubras, capotes, mantas, cantis e mochilas [...]” (Os Sertões – Euclides da Cunha).
Divisão de Artilharia Canet posando para foto na cidade de Monte Santo, base das operações do exército brasileiro na Guerra de Canudos. Na foto estão as temidas "matadeiras", apelido dado aos canhões Withworth 32, usados na última expedição militar enviada a Canudos, 1897 (Flávio de Barros/Acervo Museu da República).

A 500 quilômetros de Canudos, no sertão do Piauí, as dificuldades não eram distintas dos demais estados do Nordeste. Os fazendeiros, “Coronéis”, davam as cartas e dominavam a política local. 

Antônio João de Souza Brito, pai de Olímpio, era fazendeiro e gozava de prestígio social na região. Sua origem estava ligada aos colonos pioneiros, era tetraneto do Tenente-Coronel do Exercito de Sua Majestade Rei de Portugal, João Borges Leal Marim de Britto, e sua esposa Dona Anna de Souza Britto. Os filhos do português foram responsáveis por desbravar grande parte do Piauí, a partir da região onde hoje está localizado o município de Bocaina (PI). 

Antônio João era filho do casal, João Pedro de Souza Brito e Maria Joaquina São José, que residia em Cangalhas, hoje município de Santo Antônio de Lisboa (PI). João Pedro por sua vez, era filho de Pedro de Souza Brito com sua esposa, a índia Carolina. A indiazinha foi capturada a cavalo na mata como se pega uma novilha brava. 

Pedro de Souza Brito era filho do casal de fazendeiros Raimundo de Souza Brito e Narcisa Marinho Leal. Neto paterno do Tenente-Coronel João Borges Leal Marim de Sousa Brito, Raimundo, que era rico e influente, herdou as vastas extensões de terras de seus pais Gonçalo Felix Borges Leal e Antônia Maria de Souza. 

A mãe de Olímpio, Joana Maria de Jesus, era filha de Joaquim da Rocha Soares e sua segunda esposa Antônia Maria do Nascimento. Apesar do sangue Rocha, Olímpio não levou o sobrenome, já que na sociedade patriarcal da época as mulheres tinham suas origens reprimidas, comumente trocadas por homenagens religiosas como “Nascimento”, “de Jesus”, “da Conceição” (para quem nascia em dezembro) e “São José” (nascia em março). 

A avó paterna de Olímpio, Maria Joaquina São José, era irmã do seu avó materno Joaquim da Rocha Soares, os dois eram filhos de Cristóvão José de Carvalho e Paulina Maria do Espírito Santos. 

Por volta de 1919, Olímpio ficou noivo e se casou com Eugênia Joana de Jesus, jovem filha do casal Ladislau Pereira da Silva (1868-1935) e Joana Maria da Conceição (nascida em 20 de janeiro de 1864, falecida em 06 de abril de 1946). Eugênia tinha como avós paternos Manoel Clementino da Silva (1845-1927) e Joana Maria de Jesus e maternos Francelino Pereira da Silva (1846-1894) e Joaquina Maria da Conceição.

Olímpio era mais velho um pouco mais de dois anos do que sua esposa Eugênia que havia nascido no dia 13 de novembro de 1898. De descendência de família valente, Eugênia herdou o gênio forte de seu pai e seu avô paterno, desafiava o perigo e não recuava de suas convicções. Era uma pessoa considerada “opiniosa”, o que ela dizia era lei e cabia apenas obedecer. 

Eugênia tinha sete meses e cinco dias de vida quando foi batizada no dia 18 de junho de 1899, na capela de São Julião. O sacramento foi ministrado pelo Vigário Francisco Alves Ferreira Lima, da Paroquia de Nossa Senhora das Mercês, de Jaicós (PI).  Os pais deram a criança como afilhada para o fazendeiro Pedro Borges Leal e sua esposa Dona Joana Rosa de Jesus, pessoas respeitadas na região e parentes próximos da família.  

Batizado de Eugênia

Manoel Clementino da Silva, avô de Eugênia, era chamado de “Mané Quente”, apelido que ganhou pela sua valentia e disposição. Os mais velhos contavam, história que passou oralmente entre gerações, que Mané Quente tinha o costume de matar onças com a mão, dispensava arma de fogo. 

De acordo com documentos eclesiásticos, Manoel Clementino nasceu em julho de 1834. Seus pais, Clementino Manoel dos Nascimento e Joana Maria da Conceição, provavelmente tenham vivido no Ceará.

De acordo com Francisco Leal, mais conhecido como Chico de Dedé, do município de Vila Nova do Piauí, os fazendeiros que residiam no Tanquinho, hoje povoado São João Batista, município de Vila Nova do Piauí (PI), comercializavam suas boiadas na região do Crato (CE) e traziam os valores das vendas do gado em malas de couro de boi transportadas em lombo de animais. No percurso entre as duas províncias, especialmente na “Serra do Crato”, existiam bandos de criminosos que com frequência atacavam as diligências, roubavam e muitas vezes matavam as suas vítimas.

Para garantir que o carregamento de prata chegasse ao Tanquinho, o fazendeiro Antônio Borges Leal contratou um cearense na região do Crato destemido chamado Manoel Clementino da Silva para fazer a segurança da tropa de animais e garantir que o tesouro chegasse integralmente a sua fazenda.  

Manoel Clementino veio para o Piauí escoltando a carga de prata e chegou à região do Tanquinho sem dificuldade, ganhando a confiança de Antônio Borges Leal que o manteve trabalhando em sua fazenda. Durante este período, ele acabou se apaixonando pela jovem Joana Maria de Jesus, sobrinha do patrão, filha de Francisco Xavier Leal e Leonarda Maria de Jesus, com quem se casou no dia 16 de agosto de 1867, em Jaicós (PI).

As pesquisas mais recentes apontam que o casal teve os seguintes filhos: Ladislau Pereira da Silva, Joana Rosa de Jesus, Joaquim Epiphanio da Silva, Romão Pereira da Silva, Francisco Clementino da Silva, Josefa Vicença de Jesus, Ângela Maria de Jesus, José Marçal Clementino da Silva, Elói Manoel da Silva, Cicero Manoel da Silva, Josefa Joana de Jesus e Maria Joana de Jesus.

Manoel Clementino da Silva faleceu aos 93 anos no dia 10 de agosto de 1927 e seu corpo está sepultado em São Julião (PI).

Ladislau herdou a bravura do pai, certo dia, numa época em que as terras não contavam com demarcações e imperava a lei do mais forte ocorreu um fato que ajudou a criar um mito em torno do seu nome. 

No século XIX, ainda existiam muitas terras devolutas, áreas sem destinação pelo Poder Público e que em nenhum momento integraram o patrimônio particular. Quem chegava e fazia algum benefício como construção de casas, cercados e açudes fatalmente se tornavam proprietários. 

Ladislau vivia numa região seca onde a água era bastante escassa e seus animais costumavam pastar solto na mata. Ele tinha um cavalo muito arisco, que só ele, e seu criado “Zé Vaqueiro”, tinham coragem de montá-lo. 

O animal pastando solto se afastou alguns quilômetros e quando retornou chegou sujo de lama, sinal que em algum lugar na região havia água a flor da terra. 

O fazendeiro seguiu as pegadas do animal e encontrou uma espécie de lagoa assoreada com potencial hídrico para satisfazer as necessidades de seu rebanho. Ele não perdeu tempo e deu início o trabalho de limpeza e construção de uma parede. Mas não demorou muito para que outro fazendeiro aparecesse reivindicando a propriedade do providencial reservatório. 

A terra beneficiada se tornou motivo de uma disputa entre as duas famílias. O reivindicante prometeu que caso não ficasse com a propriedade mandaria destruir a parede da represa. Ladislau então fez um último pedido, “me avise o dia, que eu quero está presente para ver”. 

Após muito trabalho, Ladislau descansava no alpendre de sua casa, deitado em uma esteira, quando chegou um homem montado e informou que vinha da parte do fazendeiro rival informar que se quisesse testemunhar a destruição da parede da lagoa devia se apressar. 

Ladislau gritou por Joana solicitando a sua esposa que trouxesse seu rifle e a “boanga” de munição e já foi montando o cavalo sem sela e partindo em disparada com destino ao local. Chegando a barragem, tinha um tronco de Aroeira que ele havia cortado durante a limpeza do reservatório, estrutura perfeita para escorar a arma e mirar os oponentes. 

Apareceram 16 homens armados de picaretas, enxadas e chibancas. Ladislau avisou logo, “o primeiro que acertar a parede, será a última vez que levantará uma enxada”. Diante da ameaça, um por um, os homens foram indo embora, até que ficou apenas o mandante, que percebeu que não valia apena trocar sua vida por um pedaço de terra. 

Eugênia também herdou a disposição de seu pai Ladislau. Já Olímpio ganhou o espirito aventureiro, no sentido amoroso, dos homens da família Rocha. Apesar de não ter uma grande estatura, ele era considerado um homem de grande beleza para os padrões da época, tinha os olhos  claros quase verdes, que chamavam a atenção das mulheres. 

Depois de casado, surgiram rumores de que Olímpio estaria mantendo uma relação extraconjugal com uma mulher da vizinhança e logo as informações maldosas chegaram ao conhecimento de Dona Eugênia. Com o sangue fervendo e disposta a dar um fim na suposta amante, ela se armou de rifle e se dirigiu a moradia da infeliz. A casinha simples sem reboco ainda conservava os buracos de andaimes. A mulher traída posicionou a arma no buraco mirou as partes intimas da possível concubina, mas não era naquele dia que Eugênia se tornaria uma assassina. Por sorte, arma “bateu o catolé” e a mulher assustada com o cano e o ferro apontado em sua direção, começou a esgoelar “mulher não deixe o bicho bater!”, interrompendo a tempo o crime passional.
Eugênia - Foto: Arquivo de família

Naquele tempo o casamento era uma instituição sólida, não eram as chamadas “puladas de cercas” dos esposos motivo para desfazer uma união. Por outro lado, as mulheres eram condenadas socialmente, caso praticassem adultério. 

As esposas, não tinham tempo para pensamentos libertinos, elas tinham uma carga de trabalho bastante elevada, executavam os afazeres domésticos, que não eram poucos; cuidavam de um número elevado de filhos; e eram responsáveis por confeccionar as roupas do uso diário de toda a família. Entre as obrigações do lar estavam pilar o milho em pilão de madeira para transformar em massa para fazer fubá e cuscuz e pilar o arroz em casca para o preparo do baião-de-dois e da “Maria Isabel”. 

As mulheres saíam de casa com pouca frequência, geralmente nos festejos religiosos, que atraiam famílias dos mais longínquos lugares, nos batizados, casamentos e velórios. Já os homens tinham uma grande liberdade. Além de participar de feiras, muitos viajavam para outras regiões e até Estados para vender seus produtos e animais e comprar suprimentos. 

Era comum a presença de mascates nas fazendas, comerciantes que ofereciam os mais variados produtos e novidades para as famílias sertanejas. Quando o cliente não tinha dinheiro, muitos vendedores recebiam em troca pelos produtos cereais e até animais. 

Alguns comerciantes construíram impérios através deste tipo de comércio “fazenda em fazenda”, um exemplo foi Isaac Batista de Carvalho (1926-2004), bisneto do Coronel Joaquim da Rocha Soares, que foi considerado um dos empresários mais ricos do Estado, chegando a se eleger prefeito de Santo Antônio de Lisboa e Deputado Estadual. 

Isaac iniciou sua carreira de sucesso viajando em lombo de animais pelas mais distantes comunidades oferecendo seus produtos para uma clientela que não tinha acesso aos bens de consumo. 

Olímpio e Eugênia se estabeleceram na comunidade São João Batista, povoado que hoje pertence ao município de Vila Nova do Piauí (PI) e tiveram nove filhos: Estandislau Olímpio de Sousa (1920–2010),Leontina de Sousa Leal (1922–2003), Constâncio Olímpio de Sousa (1925–1994), Bibiana de Sousa Rocha (1926–2013), Joana Eugênia da Rocha (1928–2002), Alfredo Olímpio de Sousa (1930–1963), Possidôneo Olímpio de Sousa (1935–Vivo), Paulina de Sousa Rocha (1936–Vivo) e Ladislau Olímpio de Sousa (1940–Vivo). 

Naquele tempo, as famílias tradicionais, como a de Olímpio, não aceitavam o casamento de seus herdeiros com pessoas sem posses ou sem berço distinto. Para evitar o casamento muitas vezes prometido pelos pais, que mais parecia um negócio, onde se paga por um produto, muitas donzelas apaixonadas tentavam viver o amor verdadeiro fugindo com seus amados. 

A fuga era feita de uma forma que não houvesse nenhuma dúvida sobre a integridade da moça. O rapaz apaixonado pedia apoio, geralmente de uma família respeitada, para colaborar no rapto da amada. Caso a família consultada aceitasse ajudar, o furto da donzela acontecia sob a supervisão da mesma que recebia a jovem na sua residência e ali ficava a espera das negociações com seus pais sem nenhum contato com o candidato a noivo. 

Mas nem sempre o rapto era aceito pelos pais das donzelas. Assim aconteceu com Leontina, segunda filha de Olímpio e Eugênia. A moça se apaixonou por um rapaz da região que apesar de trabalhador, era considerado pobre. Como mandava a tradição, ela fugiu e se hospedou na residência de uma família local. Inconformado, Olímpio com apoio de valentões da época invadiu a residência e recuperou a jovem apaixonada e trancou em sua casa. 

Após anos de prisão em casa, Leontina fugiu novamente. Desta vez com um primo do primeiro namorado. Diferente da primeira vez, ela não caiu no mesmo erro. Combinou com o rapaz que devia se abrigar na casa de uma família valente e assim foi feito. O dono da casa mandou informar a Olímpio do acontecido e avisou que não ousasse lhe afrontar indo buscar a donzela roubada, como diz o ditado que “formiga sabe o pau que corta”, o pai da jovem seguiu a recomendação e acabou, mesmo contra a vontade aceitando, o casamento. 

Leontina, que nasceu no dia 15 de novembro de 1922, casou com Paulo José Leal, nascido em 10 de agosto de 1913, e foram residir em Tuneiras do Oeste, no Estado do Paraná onde residiram até o fim de suas vidas. Ele faleceu em 14 de janeiro de 1982 e ela 19 de janeiro de 2003.

Leontina - Foto; Arquivo de família

No final da década de 1950, começou a surgir pequenos tumores pelo corpo de Olímpio, problema que foi se agravando. Após consulta médica, ele foi diagnosticado com câncer e após uma viagem, parte feita a cavalo, para Fortaleza (CE), o idoso foi submetido a uma cirurgia que lhe deu esperança. Voltou para casa e viveu como curado por algum tempo. Mas a doença ressurgiu mais forte e ao ser desenganado pelos médicos, Olímpio regressou para casa para completar os seus dias. Conforme a sua saúde piorava, aumentava a angustia da família e dos amigos. Segundo a sua neta Eva Bibiana da Rocha, que visitou o avô algumas vezes em seu leito de morte, como de costume na época, já que não existiam funerárias nos rincões piauienses, os próprios familiares trataram de confeccionar um caixão de madeira que levou alguns dias para ficar pronto. Na medida em que o tempo passava, Olímpio pedia para ver a esquife, mas a família tentando evitar mais sofrimentos sempre desconversava e dizia que ainda não estava concluída. Mas chegou ao ponto que não tinha mais como esconder e os parentes decidiram mostrar a urna funerária ao moribundo. Ao ver o caixão, Olímpio pediu para abri-lo, olhou demoradamente para a estrutura e disse com um ar de tristeza e despedida: “aqui é a casinha a onde vou morar”.

Olímpio faleceu à uma hora, do dia 27 de abril de 1960, em sua residência na comunidade “Barreirinho”, sendo sepultado no cemitério de São Julião (PI). 

Eugênia ficou cega no fim da vida e passou a residir com a filha Paulina de Sousa Rocha e o genro Otacílio Luiz da Rocha (1930-2010), no povoado Juscelino Kubistchek, em São Julião (PI), até sua morte ocorrida no dia 13 de maio de 1970. O seu sepultamento foi alvo de uma desavença familiar, Otacílio, líder politico da época na região, defendia o sepultamento em São Julião ao lado de Olímpio. Mas os filhos discordaram de forma veemente e para evitar mortes, o genro que até então havia cuidado da sogra, recuou de sua defesa e o cadáver foi sepultado no município de Vila Nova do Piauí (PI).

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